Grupos de extrema direita, entre eles
células neonazistas, turbinaram as insatisfações dos partidários de Aécio Neves
na derrota na eleição presidencial para Dilma Rousseff com mensagens de
ódio, em especial contra nordestinos.
Segundo a ONG SaferNet Brasil, houve
um aumento de 342,03% nas denúncias de racismo e crimes semelhantes na
internet no último domingo, na comparação com o primeiro turno. Neste domingo,
as denúncias contra essa onda de ataques envolveram 305 novas páginas
(sites, blogs, Twitter ou Facebook), enquanto no dia 5 de outubro, foram 69
ocorrências denunciadas.
A partir do resultado da votação,
irrompeu uma onda de acusações contra o Nordeste por Dilma ter vencido em todos
os Estados daquela região. Em comparação com o mesmo 26 de outubro, em 2013 —
um dia normal, sem eleição —, o crescimento das denúncias é ainda maior:
662,5%.
A SaferNet Brasil foi
fundada em 2005 por um grupo de cientistas da computação, professores,
pesquisadores e bacharéis em Direito para combater a pornografia infantil na
internet brasileira, mas que se propagou para outros campos. Em pouco tempo, se
tornou referência nacional de defesa dos direitos humanos na rede. O presidente
da entidade, o advogado e professor de direito da informática Thiago Tavares
Nunes de Oliveira, diz que os rastros das mansagens de racismo foram seguidos e
se chegou nas suas origens. Boa parte partiu de perfis falsos ou robôs a
serviço de grupos de ultradireita, 95% deles no Facebook e no Twitter.
— Foi um reflexo imediato do resultado
das eleições presidenciais. Alguns eleitores do Aécio, inconformados, passaram
a atuar como correio de transmissão de mensagens de ódio e discriminação contra
nordestinos. Nossa preocupação é que esses eleitores propaguem e legitimem
pautas e demandas que são defendidas por grupos aos quais esses eleitores
certamente não pertencem — afirma Tavares.
Um perfil falso do Twitter que o
advogado citou foi o @KarineMelS2, que foi muito ativo durante os últimos
dias. O perfil é ligado a uma célula neonazista, já teve integrantes presos
(inclusive por planejar um ataque à Universidade Federal de Brasília) e
manteve ligação com o atirador de Realengo, aponta Tavares. Coletivos
separatistas também têm participado dessa onda de ataques nas redes, utilizando
o hashtag #movimentoseparatista, lembra o professor. Essencialmente, tratam-se
de grupos do Sudeste e Sul do país, acrescenta.
Nomes conhecidos se envolveram em
ataques:
O deputado estadual paulista Coronel
Telhada (PSDB) ganhou repercussão fora do seu Estado ao sugerir a divisão do
país. Um texto publicado após a vitória de Dilma chegou a ter quase 5 mil
compartilhamentos.
— Já que o Brasil fez sua escolha pelo
PT, entendo que o Sul e Sudeste (exceto Minas Gerais e Rio de Janeiro, que
optaram pelo PT) iniciem o processo de independência de um país que prefere
esmola do que o trabalho, preferem a desordem ao invés da ordem, preferem o
voto de cabresto do que a liberdade — afirmou o hoje vereador em sua página no
Facebook.
O Norte também foi atacado. Por estar
a três horas a menos que Estados que adotaram horário de verão, o Acre foi acusado
de ter atrasado a definição da eleição. Houve postagens do tipo "Acre
atrasando o Brasil". A apresentadora Luciana Gimenez publicou
"Ninguém merece esperar o Acre" em seu perfil.
Punição pelos xingamentos é difícil:
O SaferNet tem um banco de dados com
todas as denúncias e indícios (URL, print de páginas, endereços IP) que pode
ser acessado em tempo real pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público
Federal. Punições são possíveis. Em 2012, por exemplo, a estudante Mayara
Petruso foi condenada a um ano, cinco meses e 15 dias de reclusão pela Justiça
de São Paulo por ter postado mensagens contra nordestinos em seu perfil no
Twitter, em 2010.
A lei prevê os crimes de discriminação
e preconceito, mas o advogado criminalista Leonardo Pantaleão considera a
punição mais difícil no caso de uma reação momentânea a um resultado eleitoral.
A lei exige uma intenção mais duradoura de ofensa, segundo ele:
— Isoladamente, por si só essas
manifestações não se moldam ao tipo penal. Poderia ser, se não estivessem
ligadas a uma reação ao resultado da eleição.
O caso é diferente daquele da gremista
que usou termos racistas contra o goleiro Aranha, do Santos. Naquela
oportunidade, houve crime de injúria racial, pois a intenção dela foi ofender
somente o goleiro, e conseguiu, conforme Pantaleão.
Tavares acredita que a PF deverá
investigar os ataques propagados pela internet contra os nordestinos. Mas os
policiais deverão focar nos grupos de extrema direita, salienta.
Fonte: Site O Globo 27/10/2014
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