A Operação Ave de Rapina,
deflagrada na última semana em Florianópolis, está prestes a esclarecer
mais um exemplo de corrupção envolvendo servidores públicos
e empresários em
esquema de fraudes em licitação e pagamento de propina. A prática, no entanto,
está longe de ser nova.
Chega mesmo a ser recorrente: é o
crime central investigado em outros três inquéritos realizados em Santa
Catarina nos dois últimos anos. As operações Tapete Negro (Blumenau), Fundo
do Poço (Florianópolis e Oeste) e Trato Feito (Balneário
Camboriú) também acusaram conexões suspeitas.
Esse tipo de crime gira em torno de um
eixo simples: quando a administração pública abre licitação para prestação de
serviços, algumas empresas já sabem previamente qual será a vitoriosa,
combinando entre si qual delas fará a proposta mais barata ao poder Executivo.
Estes acertos se dão com troca de
dinheiro proveniente dos cofres públicos, adquirido como pagamento pelo serviço
prestado. Em muitos casos, a prática é apoiada por políticos e servidores
públicos, que vazam informações (prazos e média de custos), dificultam a
divulgação e estabelecem os parâmetros contratuais para favorecer tais
empresas.
Os promotores de Justiça têm
agido mais contra essas irregularidades. Levantamento do Ministério
Público de SC (MP-SC) mostra que as investigações, ações, procedimentos e
denúncias oferecidos ao Judiciário envolvendo a moralidade administrativa estão
em crescimento em SC. Apenas em 2013 foram abertos 5,4 mil procedimentos de
investigação na moralidade administrativa (veja quadro ao lado).
— É preciso nos diferenciarmos
nos mecanismos de fiscalização e as instituições aprimorarem os controles
internos — opina o promotor Gustavo Mereles Ruiz Diaz, que atua na
Moralidade Pública em Blumenau.
Flagras são ao telefone:
Os três principais métodos utilizados
pela polícia (Civil ou Federal) para averiguar as fraudes são quebra de sigilo
bancário, vigilância com registro de foto e vídeo e ligações telefônicas (veja
exemplos das operações anteriores acima). Mas os suspeitos, atentos às
interceptações, cada vez usam menos os telefones nas tratativas.
Essa foi uma das dificuldades
enfrentadas pelo delegado federal Allan Dias, que comanda o inquérito Operação
Ave de Rapina. Mas também há mais mecanismos de denúncia e fiscalização, como a Lei
da Transparência e a Lei Anticorrupção, em vigor há seis meses e que
também aperta o cerco às empresas e não apenas aos servidores públicos.
A diretora-executiva do Observatório
Social do Brasil, Roni Enara, acredita que a fiscalização deve partir dos
cidadãos.
"Precisamos de pessoas sérias no
poder público"
Edson Carvalho - professor de Direito
Administrativo
Professor de Direito Administrativo e
Constitucional da Univali, Edson Carvalho analisa que crimes de fraudes em
licitação passam por leis muito burocráticas, acordo de interesses políticos e
econômicos e falta de rigor de órgãos de controle.
DC- Quais são os problemas das leis de
licitação que facilitam as fraudes, verificadas nas últimas operações
policiais?
Edson Carvalho - As leis, não
apenas de licitações, impõem determinados parâmetros de atuação. Quanto mais
burocrático, mais trâmites a lei impõe, logo é mais fácil para se corromper
pessoas. Se existe dificuldade, existe alguém que vai vender facilidade, estas
muitas vezes oferecidas por agentes do próprio Estado. Além disso temos a
insuficiência dos mecanismos e órgãos de controle e a deficiência na escolha
dos servidores públicos. Precisamos de pessoas sérias trabalhando em nome do
poder público. Se nós tivermos pessoas comprometidas com a moralidade, elas não
acabam se corrompendo. As falhas comuns de processos de licitação são a falta de
controle das propostas, falta de controle sobre a atuação dos próprios agentes,
muitas vezes com acordos envolvendo os licitantes (empresários) e o poder
público, facilitando a prática desses atos ilegais.
DC - De que forma o excesso de
burocracia facilita?
Carvalho - Quanto mais simples é
o procedimento, mais se tem agilidade na administração pública. Quando há
muitas exigências, o corruptor encontra formas de burlar o procedimento. Por
exemplo, se temos um prazo para a pessoa apresentar uma proposta com um
determinado valor, servidores do setor público acabam tendo acesso a essas
informações e antecipadamente podem repassá-las para empresas que concorrem em
licitações, gerando favorecimento. Se o processo fosse menos burocrático e mais
transparente, permitindo que todos pudessem ficar sabendo dele ao mesmo tempo,
com valores, registros de preços, aí teríamos a garantia de isonomia, de
condições iguais de concorrência.
DC - Como combater e reduzir as
fraudes com eficácia?
Carvalho - Eu acredito que passa
por uma escolha mais adequada dos servidores e também a criação de órgãos de
controle que atuem na elaboração de processos de licitação. E as autoridades
que vão homologar esses processos também precisam estar mais atentas a todo
procedimento, com um preparo técnico mais adequado. Outra ideia é modificar
leis de licitação, muito burocráticas, que acabam desestimulando o controle da
própria sociedade por conta das dificuldades.
DC - Quando empresas são contratadas
por meio de fraudes qual o impacto na vida das pessoas?
Carvalho - Essa situação sempre
gera prejuízo. Ou porque os serviços prestados não são de qualidade, ou porque
o bem que foi fornecido não atende às necessidades da administração pública.
Podemos pegar, apenas como exemplo ilustrativo, os casos envolvendo a reforma
de pistas de rolamento e de rodovias. Quantas e quantas vezes o serviço tem que
ser refeito em curto espaço de tempo? Às vezes o material não é de qualidade, a
técnica aplicada não é a melhor, então o serviço tem que ser executado várias
vezes. Quem sai perdendo? A população, que precisa aguentar toda a carga
tributária.
DC - Qual o peso do atual sistema
político? O modelo facilita esse crime?
Carvalho - Nós temos pessoas que
são indicadas para exercer cargos de confiança e que, embora não tenham domínio
total da atividade que está sendo desempenhada, têm comprometimento e senso de
responsabilidade.
O primeiro gráfico mostra dados
relativos à categoria Criminal - Moralidade Administrativa e, o
segundo, Promotorias na Área Cível - Moralidade.
Nas áreas de defesa dos direitos
difusos e coletivos, a instauração de procedimentos novos no decorrer do
exercício de 2013 apresentou a seguinte perspectiva: na moralidade
administrativa 5.176, no meio ambiente 3.674 e na saúde 2.214 procedimentos.
A área da defesa da moralidade
administrativa, que revelou o maior movimento, obteve em 2013 um
volume 18,12% maior de procedimentos em relação a 2012. Promoveu 1.764
arquivamentos sem ajustamento de conduta, 334 a mais que no ano anterior
(1430), 86 arquivamentos com ajustamento de conduta, 45,76% a mais que no ano
anterior (59), e deflagrou 391 ações civis públicas, que representam 74 ações a
mais do que em 2012 (317). O percentual positivo revelado foi de 23,34%.
Ações contra fraudes:
Trato Feito:
Aconteceu no dia 15 de setembro com
foco em crimes supostamente sendo praticados na prefeitura de Balneário
Camboriú, como corrupção passiva e ativa, advocacia administrativa, peculato,
tráfico de influência, fraudes em licitações e associação para o crime. Foram
investigados mais de 35 funcionários públicos, oito empresas e presas 14 pessoas.
Fundo do Poço:
Ação que aconteceu no dia 28 de
novembro de 2013 com o objetivo de prender servidores públicos e empresários do
ramo de perfuração de poços artesianos envolvidos em um suposto esquema de
formação de quadrilha, fraudes em licitações e crimes contra a administração
pública. Foram cumpridos 20 mandados de prisão temporária e 48 de busca e
apreensão, cidades da Serra, Meio-Oeste e Oeste.
Tapete Negro:
Deflagrada em 17 de dezembro de 2012.
Apreendeu documentos da prefeitura de Blumenau, de empresas e em residências de
investigados. Teve origem em uma investigação de 2006, acompanhou supostas
licitações fraudulentas envolvendo a Companhia Urbanizadora de Blumenau (URB),
cujas fraudes chegariam a R$ 150 milhões.
Fonte: Site A Notícia 15/11/2014
Nenhum comentário :
Postar um comentário