O procurador da República Davy Lincoln
Rocha, que atua no Ministério Público Federal em Joinville, foi afastado do
cargo em função de um artigo publicado no Facebook.
Ele responderá a um procedimento
administrativo disciplinar (PAD) aberto pelo plenário do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP).
A decisão do plenário, tomada na noite
de segunda-feira, afastou o procurador de suas atividades por três meses
(90 dias). Em entrevista, Rocha disse que escreveu nas redes sociais como
cidadão, sem referência ao cargo que exerce.
Confira a entrevista:
AN - O senhor esperava que houvesse
essa repercussão e até a posição do Conselho Nacional
Davy Lincoln Rocha - O que eu
posso dizer é que isso é um mal entendido. Porque eu publiquei uma carta há
mais de um ano no meu Facebook, na condição de cidadão. A primeira frase diz,
inclusive, 'eu, cidadão brasileiro'. Em momento nenhum me identifiquei como
procurador. Em momento algum incitando golpe. Fiz o uso do direito de
expressão.
AN - Qual o motivo da
manifestação
Rocha - Acho que no Brasil há uma
situação em que as Forças Armadas ficaram com uma marca de cânhamo. É como se
até hoje você fosse na Alemanha e olhasse enviesado o povo alemão por causa do
holocausto nazista
AN - Mas há um histórico..
Rocha - Todos os generais,
comandantes que realmente estavam no comando na ditadura já morreram ou estão
de pijama, bem velhinhos. As Forças Armadas de hoje são outras Forças Armadas.
A instituição não pode ser vista hoje como uma ameaça, um perigo da ditadura,
de golpe. Quem está hoje no comando, inclusive ocupando ministérios, os três
comandantes do Ministério da Defesa, que são da alta assessoria da Presidência
da República, tem muito conselho bom a dar, muita participação, sentar numa
mesa democrática e participar
AN - O texto tem menções ao golpe de
1964
Rocha: Nunca fui adepto de
qualquer tipo de subtração da ordem constitucional. Se eu quisesse buscar essa
coisa de golpe, eu teria secretamente buscado instituições, buscado cartas,
tudo o que nunca fiz. Nunca entrei em contato com instituição militar, não conheço
nenhum comandante militar.
Lamento que o debate político e social
brasileiro não tenha a participação maior, mais gente na mesa, inclusive com as
Forças Armadas. Não é só chamar as Forças Armadas para fazer ponte, construir
estrada, duplicar estrada, fazer hospital de campanha. Existe um preconceito
arraigado, injustificado na maior parte das vezes. Um mito de que as Forças
Armadas são quase que um inimigo à beira de tomar o poder. As Forças Armadas
estão aí para nos defender. Há uma nova geração, um pessoal preparado em
escolas superiores de guerra, com estudo, graduação, pós-graduação e muito a
oferecer para o País.
AN - A repercussão saiu do controle
Rocha - Essa carta tem mais de um
ano e dois meses. O que acontece é que gerou um equívoco. Essa carta começou a
se reproduzir, foi parar em vários sites. Nesses outros sites, as pessoas
escrevem que foi escrito por "Davy Lincoln Rocha, procurador da
República", mas não foi nessa qualidade que escrevi. Vão dando
interpretação que eles querem para isso. Aí cada um tem a sua interpretação.
Pode pegar a Bíblia, um livro secular, que cada um tem uma interpretação
diversa de uma única coisa que está escrita ali. A Bíblia, quando fala que a
pessoa tem de nascer de novo, os evangélicos acham que a pessoa tem de ser
batizada, os espíritas acham que é reencarnar. Interpretações completamente
diferentes.
AN - O conselheiro Luiz Moreira, que
fez a proposta no plenário, disse que o senhor usou a prerrogativa como
procurador para manchar o regime democrático e a soberania nacional.
Rocha: Em momento nenhum, se você
ler a carta, diz 'vocês, militares, devem dar um golpe'. Eu digo 'vocês estão
calados, vocês não estão participando da vida política do País'. Acho que a
própria instituição militar está acuada, parece que se sente envergonhada, como
diz o livro do Elio Gaspari (Ditadura Envergonhada). Golpe militar não é dado a
partir de uma carta publicada no Facebook por um cidadão. E aí fica aquele
estigma, como se as Forças Armadas não pudessem participar da vida social e
política do Brasil.
Nos Estados Unidos, os assessores do
presidente participam de todas as questões, discutem todas as questões do País.
Por conta desse estigma, as nossas forças armadas vem sendo alienadas ou estão
se alienando mesmo. Nossas forças Armadas estão fazendo um belíssimo trabalho.
Participam de uma guerra contra a pobreza, contra a miséria no Haiti, por
exemplo. E acho que a gente tinha de ter mais respeito, mais carinho com as
Forçar Armadas e ver que elas podem participar democraticamente.
AN - Mas o senhor é procurador da
República.
Rocha - O texto foi publicado no
meu Facebook, como cidadão. Inclusive, se você olhar no meu Face, eu nem me
identifico como procurador da República. Mas eu não posso impedir de você pegar
essa carta do Face e publicar no jornal e dizer que foi escrito pelo procurador
da República. Mas não foi nessa qualidade. E, mesmo assim, não há nenhum pedido
de golpe ou coisa assim.
AN - Foi durante a campanha que a
carta ganhou repercussão na rede?
Rocha - Escrevi isso muito antes
da eleição. Não com ideia de golpe ou coisa assim. E tem outra: procurador da
República, então, não pode escrever um livro, não pode fazer uma crítica ao
sistema jurídico, como os professores fazem? É preciso separar. Não foi no
exercício da função, muito menos pretendendo macular a ordem constitucional que
eu prometi defender e sou arraigado defensor.
Fonte: Site A Notícia 18/11/2014
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