O "surto de impaciência"
revelado pelas manifestações de junho de 2013 "provocou um surto simétrico
e antagônico que é o surgimento de uma nova direita, um dos fenômenos mais
importantes do Brasil contemporâneo.
Uma direita não convencional, que não está contemplada pelos esquemas tradicionais da política".
Uma direita não convencional, que não está contemplada pelos esquemas tradicionais da política".
Quem faz a análise é o filósofo Paulo
Eduardo Arantes, professor aposentado da USP (Universidade de São Paulo). Ele
compara o que acontece aqui com a dinâmica nos Estados Unidos:
"A direita norte-americana não
está mais interessada em constituir maiorias de governo. Está interessada em
impedir que aconteçam governos. Não quer constituir políticas no Legislativo e
ignora o voto do eleitor médio. Ela não precisa de voto porque está sendo
financiada diretamente pelas grandes corporações", afirma.
Por isso, seus integrantes podem
"se dar ao luxo de ter posições nítidas e inegociáveis. E partem para
cima, tornando impossível qualquer mudança de status quo. Há uma direita no
Brasil que está indo nessa direção", diz o filósofo.
Segundo ele, "a esquerda não pode
fazer isso porque tem que governar, constituir maiorias, transigir, negociar,
transformar tudo em um mingau". Nesse confronto, surge o que sociólogos
nos EUA classificam como uma "polarização assimétrica", com um lado
sem freios e outro tentando contemporizar.
Na avaliação de Arantes, o conceito de
polarização assimétrica se aplica ao Brasil. "A lenga-lenga do Brasil
polarizado é apenas uma lenga-lenga, um teatro. Nos Estados Unidos, democratas
e liberais se caracterizam pela moderação – como a esquerda oficial no Brasil,
que é moderada. O outro lado não é moderado. Por isso a polarização é
assimétrica".
"Fora o período da eleição –que é
um teatro em se engalfinham para ganhar– um lado só quer paz, amor, beijos,
diálogo, tudo. Uma vez que se ganha, as cortinas se fecham e todo mundo troca
beijos, ministérios –e governa-se. Mas há um lado que não está mais interessado
em governar", afirma.
JUNHO DE 2013
Arantes fez essa análise no final da
tarde de quarta-feira (29), em palestra sobre as manifestações de junho de 2013
no 16º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação de Filosofia, que
acontece nesta semana em Campos do Jordão (SP).
O filósofo contestou a visão de
protagonistas dos protestos, para quem o movimento não foi um raio em céu azul,
já que foi precedido por várias rebeliões por melhoria no transporte público
pelo país afora nos últimos anos.
Na opinião de Arantes, todos foram
apanhados de surpresa: "Ninguém esperava que isso acontecesse, nem os
próprios protagonistas, nessas proporções. Foi absolutamente inesperado. Não
temos mais ouvido para decifrar qualquer sinal de alarme".
Ele criticou o que considerou uma
tentativa de sufocar a originalidade do movimento de junho. Discutiu também a
visão de que os protestos tiveram fôlego curto.
Citando
o compositor Geraldo Vandré, o pensador Ernst Bloch (1885-1977), texto
literário, documentário, o filósofo fez um desenho do país: "Desaprendemos
a esperar. Isso é que mudou. Mudou a relação entre tempo e política",
disse.
Para ele, essa mudança se reflete em
esgotamento de paciência: não dá mais para esperar: "E houve uma
reviravolta também do outro lado". Daí a nova direita.
Fonte:
Site Globo.com 31/10/2014
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