A presidente Dilma Rousseff participa
nesta quinta-feira em La Paz, na Bolívia, da posse do terceiro mandato do
presidente boliviano, Evo Morales.
Analistas veem na visita um gesto para
tentar reanimar a relação entre os dois países.
Os laços com a Bolívia – país com o
qual o Brasil compartilha sua maior fronteira (3,4 mil quilômetros) - se
estremeceram nos últimos anos, principalmente depois do asilo político
concedido ao senador oposicionista Roger Pinto Molina, em 2012.
O ex-presidente Luíz Inácio Lula da
Silva visitou nove vezes a Bolívia em seus dois mandatos entre 2003 e 2010, mas
Dilma não foi ao país uma vez sequer durante seu primeiro mandato (2011-2014).
"O Brasil é visto aqui como uma
nação subimperialista. Isso (o asilo político) provocou uma tensão e reforçou
essa visão", afirma o boliviano-brasileiro Eduardo Lohnhoff, estudante de
sociologia e militante do Partido Comunista Boliviano, que apóia Morales, mas
pressiona por um governo mais à esquerda.
Estrada: Lohnhoff conversou com a BBC
ontem nas ruínas do sítio arqueológico de Tiwanaku, vizinho à La Paz, onde um
ritual indígena celebrou o novo mandato de Morales – o local era sede de uma
civilização anterior aos incas.
Entre os fatores que alimentam a visão
negativa do Brasil em parte da sociedade boliviana, diz ele, está o interesse
brasileiro em concluir uma estrada cortando a Bolívia e o norte do Chile para
conectar o porto de Santos (SP) ao Oceano Pacífico, além da presença de grandes
fazendeiros brasileiros produtores de soja na região de Santa Cruz de La
Sierra.
De acordo com uma nota divulgada pelo
Itamaraty, "as relações com a Bolívia são prioritárias para o Brasil"
e "um marco relevante será a conclusão da pavimentação do corredor
rodoviário interoceânico, que cruzará o território boliviano, conectando o
porto de Santos aos portos chilenos".
Essa enorme rodovia terá um total de
2.700 quilômetros de extensão, sendo 1.561 quilômetros em território da
Bolívia, 947 quilômetros em solo brasileiro e 192 quilômetros em área do Chile.
A estrada atravessa as regiões bolivianas de Santa Cruz, Cochabamba e Oruro,
cortando áreas de preservação ambiental, o que gerou resistência de grupos
locais.
Mas, segundo Lohnhoff, a oposição à
obra tem diminuído, a partir de um trabalho do presidente de convencer a
população da importância do empreendimento para o desenvolvimento local.
"A verdade é que o impacto
ambiental não é tão grande assim e a estrada pode melhorar a circulação dentro
do país", considera.
Asilo político: Senador Roger Molina
pediu asilo ao Brasil alegando perseguição.
Outro fator que estremeceu a relação
Brasil-Bolívia foi o episódio da fuga do senador de oposição boliviano Roger
Pinto Molina, observa a socióloga brasileira Fernanda Wanderley, que vive há
duas décadas na Bolívia e é professora da Universidad Mayor de San Andrés, em
La Paz.
"Causou uma tensão e uma certa
paralisação nas relações", ela afirma.
Molina, senador oposicionista que é
acusado de corrupção e responde a 14 processos no país, pediu asilo ao Brasil
em maio de 2012 argumentando preseguição política. O pedido foi atendido pelo
governo Dilma.
No entanto, a Bolívia não concedeu
salvo conduto para que ele deixasse o país, de modo que o Molina viveu por
quase 15 meses na Embaixada brasileira em La Paz. O impasse levou o diplomata
Eduardo Saboia a fugir com o senador para o Brasil, mesmo sem autorização
prévia do Itamaraty.
Wanderley lembra que o episódio Molina
traz consequências práticas até hoje. Desde a fuga do senador em agosto de
2013, a Embaixada brasileira em La Paz não tem um embaixador oficial. O cargo
vem sendo ocupado interinamente desde a retirada de Marcel Biato, que não
agradava Morales. Atualmente está à frente da Embaixada o encarregado de
negócios Antonio José Resende de Castro.
Nesse contexto, a professora acredita
que a vinda de Dilma pela primeira vez ao país para prestigiar a posse de
Morales seja um gesto que pode melhorar o relacionamento entre os dois países.
Para comparecer à La Paz, a presidente
desmarcou sua ida ao Fórum Econômico de Davos, na Suiça. Com a presença na
cerimônia de Morales, Dilma também retribui a ida do líder boliviano a Brasília
para sua posse de segundo mandato.
O sociólogo boliviano Fernando Mayorga
também considera importante a vinda de Dilma a La Paz para a relação bilateral.
Ele minimiza o esfriamento recente entre os dois países.
Proximidade: Lula era muito próximo do
presidente boliviano.
Mayorga observa que Morales e Lula
eram muito próximos porque tinham muito em comum e considera natural que a
relação tenha se tornado mais fraca com a mudança de presidente no Brasil.
"Lula foi muito importante para
dar legitimidade a Morales, foi uma influência forte frente ao radicalismo de
Hugo Chávez (ex-presidente venezuelano). Ambos vieram do sindicalismo, são mais
abertos à negociação que Chávez, que era um militar", afirma.
Mayorga acredita que Morales buscará
melhores relações externas no seu terceiro mandato, porque a queda dos preços
das commodities exportadas pelo país, como gás e minérios, aumentará a
necessidade de atrair investimentos estrangeiros para industrializar a economia
nacional.
O Brasil é o principal parceiro
comercial da Bolívia: consome cerca de 40% do total das exportações bolivianas,
por causa da venda do gás natural, e é a segunda maior origem de suas
importações, atrás apenas do Chile.
O intercâmbio comercial entre as duas
economias (soma das importações e exportações) passou de US$ 818 milhões em
2002 para US$ 5,4 bilhões em 2014 – sendo que o saldo é negativo para o Brasil
em US$ 2,2 bilhões.
Além da importância da questão
energética (gás) e da integração logística regional, outra agenda bilateral
relevante é o controle da fronteira para combate ao tráfico de drogas.
Fonte: Site O Globo 22/01/2015
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