domingo, 6 de novembro de 2011

Destaque Político SC: Iprev admite surto de aposentadorias na Assembleia de Santa Catarina em 2003

O que aconteceu na Assembleia Legislativa de Santa Catarina em 2003 para que 21 de seus servidores saíssem de lá inválidos? A resposta é uma improvável epidemia, se forem levados em conta os resultados das perícias médicas da Junta Estadual feitas a pedido do Instituto de Previdência de Santa Catarina (Iprev). 

Na edição de domingo, o Diário Catarinense revelou que nenhum dos inválidos de 2003 está na lista dos 112 que vão enfrentar processos administrativos no Iprev por indícios de irregularidade na concessão dos benefícios. Tratamento oposto recebeu o primeiro surto, registrado em 1982. Os 75 aposentados daquele ano engrossam a lista dos inválidos sujeitos a perderem as aposentadorias por fraude.
— Eu não vou discordar das perícias médicas. Se alguém tiver alguma contraprova ou uma denúncia, a gente pode fazer alguma coisa. Mas se eu começar a duvidar de alguns resultados da perícia, teria que invalidar todo esse trabalho que foi feito — diz o presidente do Iprev, Adriano Zanotto (PMDB).
O único inválido de 2003 que responde a processo no Iprev é o ex-deputado Pedro Bittencourt (ex-DEM). Ele passou bem pelos exames dos peritos de Santa Catarina, mas é investigado por causa das denúncias do Diário Catarinense e da RBS TV de manter atividades remuneradas após ter sido aposentado por invalidez do cargo de advogado da Assembleia. Segundo Zanotto o processo está em fase final — ele foi iniciado antes da divulgação do relatório que constatou 112 casos com irregularidades entre os 210 aposentados por invalidez da Assembleia.
Bittencourt é conselheiro das empresas estatais Casan e Celesc desde o segundo mandato de governo de Luiz Henrique da Silveira (PMDB), iniciado em 2007. Este ano, o governador Raimundo Colombo (PSD) elevou o ex-deputado a presidente do conselho da estatal de energia. Ou seja, o mesmo Estado que considerou incapaz de trabalhar no legislativo, emprega em estatais. 
O ex-deputado, aposentado por problemas no coração, alega que não se trata de uma função diária, o que retiraria o caráter empregatício. É justamente a possibilidade de acumular aposentadoria e as funções nos conselhos que o Iprev investiga. Mas o próprio Zanotto dá a entender que não é o Iprev que vai colocar a mão nessa polêmica.
— Nossa orientação jurídica é de nos ater à competência do Iprev. Nós temos que constatar se houve irregularidade na concessão da aposentadoria por invalidez. Se houver, cassamos o benefício. Outros casos não são com o Iprev — diz Zanotto.
Não foram usados dois pesos e duas medidas, garante Zanotto. É no componente político e na expressão dos cargos que surgem as principais diferenças entre os atingidos pelos surtos de 1982 e 2003. Em meio à primeira eleição direta para governador do Estado desde o endurecimento do regime militar e liderada pelo então presidente Epitácio Bittencourt (PDS), pai de Pedro, a Assembleia aposentou 138 funcionários por invalidez — a maior parte por doenças graves no coração.
O episódio virou polêmica no ano seguinte, o que fez com que boa parte deles voltasse ao trabalho. Mesmo assim, 75 seguiram aposentados. O curioso é que a maior parte dos aposentados daquele ano estava longe dos maiores salários do legislativo. Poucos haviam exercido cargo de chefia, nenhum deles era procurador da Assembleia ou ex-deputado. Passados 29 anos, a média salarial dos 75 inválidos suspeitos de 1982 é de R$ 6,5 mil. Apenas 12 deles recebem salários acima de R$ 10 mil.
Em 2003, com um ambiente democrático e em ano não-eleitoral, as juntas médicas da Assembleia declararam incapazes de trabalhar um ex-deputado, dois procuradores e pelo menos dois ex-prefeitos que trabalhavam na Assembleia. Na lista, outros advogados e um médico, Almir Stadler, que se elegeu vice-prefeito de São Joaquim em 2004, um ano depois da invalidez por problemas cardíacos. 
O presidente da Assembleia era Volnei Morastoni (PT), que voltou a ser deputado este ano. O petista justifica o alto número de inválidos daquele ano pela decisão de exigir que os funcionários que estavam fora do trabalho por causa de seguidos atestados médicos entrassem com pedidos de aposentadoria.
Assim como em 1982, doenças cardíacas justificaram a maior parte das declarações de invalidez. Como os aposentados de 2003 não estão na lista dos suspeitos de fraude, o Diário Catarinense não teve acesso a detalhamento dos laudos médicos e das médias salariais. Na questão dos salários, no entanto, é possível constatar que a maioria dos cargos é de nível superior, o que garantiria maiores rendimentos. 
Além disso, quatro dos inválidos de 2003 integravam a lista de 63 servidores — ativos e inativos — que recebiam mais de R$ 22,1 mil mensais, salário de deputado estadual e teto do legislativo. Os salários acima do teto foram cortados a partir de julho por determinação do presidente da Assembleia, Gelson Merisio (PSD), após o vazamento da lista.
Zanotto garante que não foram usados dois pesos e duas medidas para avaliar os surtos de 1982 e 2003.
— Eu não sei quem são e muito menos quanto ganham. Soube que o Pedro era de 2003 lendo a reportagem de domingo. Mas não podemos achar que o trabalho da perícia só é bom quando bate com o que estava sendo esperado — afirma Zanotto.
Supervisor médico da Junta Estadual, responsável pelas perícias realizadas nos inválidos da Assembleia, Nicolau Heuko Filho diz que as perícias foram realizadas individualmente, sem levar em conta o ano em que o aposentado conquistou o benefício.
— Os casos de 1982 chamaram atenção por causa da ausência de documentação médica — afirma.
O médico explica que os peritos exigiram comprovação de que os servidores tinham a doença na época da requisição da aposentadoria ou que a desenvolveram posteriormente. Quem levou os exames, livrou-se dos processos do Iprev. Heuko garante que a determinação da gravidade dos problemas no coração levou em conta os parâmetros da Sociedade Brasileira da Cardiologia.
— Ali fica determinado de forma clara o que é e o que não é cardiopatia grave — afirma.
O médico diz que houve casos mais recentes entre os reprovados pelos peritos, especialmente envolvendo diagnóstico de câncer. Em 2003, três servidores foram declarados inválidos pela doença — nenhum considerado irregular.
— Existiam casos, não sei dizer se de 2001, 2002 ou 2003, em que nós demos pareceres contrários ao da junta da época. Casos de câncer na tireoide, que é plenamente tratável, ou iniciais de mama, por exemplo — lembra.
Tanto o médico quanto Zanotto negam pressões para que inválidos fossem poupados dos processos. 
— Não recebemos nenhum tipo de pressão. Pelo contrário, as conversas com o presidente da Assembleia e com o governador Colombo sempre foram no sentido de agir com transparência e rigor técnico. Apagar essa mancha da história de Santa Catarina — diz Zanotto.

Fonte: site Jornal A Notícia 02/11/2011

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