terça-feira, 1 de abril de 2014

Atualidade: 50 anos do golpe: clima em Florianópolis reproduzia tensões nacionais

De um lado da trincheira simpatizantes das reformas de Jango, de outro, defensores da “democracia” contra os perigos do marxismo formavam a atmosfera na Capital do Estado.

– Todo mundo, no Brasil, está defendendo a legalidade. Da doença, pois, ela não morrerá! O perigo é que morra de cura.
A frase, com ares de profecia, foi escrita pelo jornalista Rubens de Arruda Ramos na coluna que assinava como Guilherme Tal no jornal O Estado do dia 25 de março de 1964 – uma semana antes do golpe que levou o Brasil a viver 21 anos sob regime militar.
Com seus cerca de 100 mil habitantes, Florianópolis reproduzia as tensões e disputas nacionais. Estudantes lideravam manifestações no Centro da Capital em defesa das reformas de base do presidente João Goulart e contra o aumento das passagens de ônibus definido dias antes pela prefeitura. 
Intelectuais e jornalistas discutiam o futuro do país nas mesas do Ponto Chic e na Livraria Anita Garibaldi, a única a vender livros marxistas na cidade. Nos jornais, a primeira-dama Edith Ramos, mulher do governador Celso Ramos, fazia a convocação para a versão catarinense da Marcha da Família com Deus pela Liberdade – cuja edição original reunira 300 mil pessoas em São Paulo no dia 13 de março daquele ano. O chamado endereçado especialmente às mulheres começou a circular no dia 27.
Na véspera do golpe, Santa Catarina acompanhava atenta o acirramento das posições dos militares e de João Goulart. No primeiro momento, Celso Ramos permaneceu cauteloso. Assinou uma nota no dia 31 em que pedia calma à população e dizia confiar na “solução pacífica dos problemas do país”. Aliado ao PTB em plano local – tendo como vice o janguista Doutel de Andrade – o governador não sabia o quanto a chamada revolução poderia respingar nele mesmo. Após a confirmação da renúncia de Jango, dia 1º de abril, Ramos assina uma nota mais enfática. 
“O Estado que me confiou, em processo democrático, as responsabilidades de seu governador, não ignora a posição ideológica em que sempre me mantive, relativamente ao comunismo: repulsa intransigente e formal”, afirmava o governador na abertura do texto.
Naquele momento, passaria a dividir o poder com o 5º Distrito Naval, sediado em Florianópolis e sob comando do almirante Murilo Vasco do Valle Silva. Sob ordens dos militares, começava a Operação Limpeza, destinada a prender pessoas apontadas como subversivas ou comunistas – como o escritor Salim Miguel, antigo proprietário da Livraria Anita Garibaldi, detido enquanto tomava um café no Ponto Chic. Na época, Salim chefiava o escritório da Agência Nacional e o gabinete de imprensa do próprio governador Celso Ramos. 
Chefe de redação do jornal A Gazeta, Carlos Alberto Silveira Lenzi escrevia uma coluna diária em que elogiava as manifestações dos estudantes antes do golpe e revelava simpatia pelas reformas de Jango. Na edição do dia 9, alertava “não confunda trabalhista com comunista”. Na semana do golpe, Silveira Lenzi foi surpreendido em casa, tomando café da manhã, por um camburão da Marinha. Foi levado para depor.
– Eles achavam que eu sabia quem era socialista, comunista. E queriam que eu fosse lá dedar os caras, mas eu não disse nada – lembra Lenzi, hoje desembargador aposentado do Tribunal de Justiça.
As prisões foram a senha para a desforra dos vitoriosos. No dia 3 de abril, no final da tarde, um grupo de simpatizantes do golpe foi até a Livraria Anita Garibaldi, na Praça XV, quase esquina com a rua Conselheiro Mafra. O local foi arrombado, os livros espalhados pela rua e queimados. No dia seguinte, o jornal A Gazeta não continha o entusiasmo com o gesto, ao dizer que “o povo florianopolitano deu provas sobejas de sua fibra democrata, extinguindo um foco pernicioso que há vários anos se instalara em pleno coração da cidade”.
Na imprensa, o presidente estadual do pequeno partido PDC, Nereu do Valle Pereira, pedia o retorno dos trabalhos da Câmara de Vereadores e da Assembleia Legislativa para que fossem cassados os parlamentares alinhados ao governo deposto. Hoje, professor aposentado da UFSC, ele afirma que houve exagero naqueles dias, inclusive no episódio da queima da livraria – no qual admite participação indireta.
– Um processo desses revolucionários, as paixões nem sempre alimentam as razões. Tem muitas passagens que hoje eu revendo não agiria da mesma forma – afirma Pereira, hoje com 85 anos e ainda comedido ao falar sobre o assunto.
A paixão dos vitoriosos ganhou as ruas de Florianópolis de forma inequívoca no dia 17 de março. Sem dúvidas sobre quem eram vencidos e vencedores, com o marechal Humberto Castelo Branco eleito presidente do Brasil pelo Congresso Nacional, a Capital realizou sua Marcha com Deus pela Família, lotando as ruas do Centro.

Fonte: Site Jornal A Notícia 29/03/2014

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