segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Atualidade: Cresce número de investigações envolvendo moralidade administrativa em Santa Catarina

A Operação Ave de Rapina, deflagrada na última semana em Florianópolis, está prestes a esclarecer mais um exemplo de corrupção envolvendo servidores públicos
e empresários em esquema de fraudes em licitação e pagamento de propina. A prática, no entanto, está longe de ser nova. 
Chega mesmo a ser recorrente: é o crime central investigado em outros três inquéritos realizados em Santa Catarina nos dois últimos anos. As operações Tapete Negro (Blumenau), Fundo do Poço (Florianópolis e Oeste) e Trato Feito (Balneário Camboriú) também acusaram conexões suspeitas. 
Esse tipo de crime gira em torno de um eixo simples: quando a administração pública abre licitação para prestação de serviços, algumas empresas já sabem previamente qual será a vitoriosa, combinando entre si qual delas fará a proposta mais barata ao poder Executivo.
Estes acertos se dão com troca de dinheiro proveniente dos cofres públicos, adquirido como pagamento pelo serviço prestado. Em muitos casos, a prática é apoiada por políticos e servidores públicos, que vazam informações (prazos e média de custos), dificultam a divulgação e estabelecem os parâmetros contratuais para favorecer tais empresas.
Os promotores de Justiça têm agido mais contra essas irregularidades. Levantamento do Ministério Público de SC (MP-SC) mostra que as investigações, ações, procedimentos e denúncias oferecidos ao Judiciário envolvendo a moralidade administrativa estão em crescimento em SC. Apenas em 2013 foram abertos 5,4 mil procedimentos de investigação na moralidade administrativa (veja quadro ao lado).
— É preciso nos diferenciarmos nos mecanismos de fiscalização e as instituições aprimorarem os controles internos — opina o promotor Gustavo Mereles Ruiz Diaz, que atua na Moralidade Pública em Blumenau.
Flagras são ao telefone:
Os três principais métodos utilizados pela polícia (Civil ou Federal) para averiguar as fraudes são quebra de sigilo bancário, vigilância com registro de foto e vídeo e ligações telefônicas (veja exemplos das operações anteriores acima). Mas os suspeitos, atentos às interceptações, cada vez usam menos os telefones nas tratativas.
Essa foi uma das dificuldades enfrentadas pelo delegado federal Allan Dias, que comanda o inquérito Operação Ave de Rapina. Mas também há mais mecanismos de denúncia e fiscalização, como a Lei da Transparência e a Lei Anticorrupção, em vigor há seis meses e que também aperta o cerco às empresas e não apenas aos servidores públicos.
A diretora-executiva do Observatório Social do Brasil, Roni Enara, acredita que a fiscalização deve partir dos cidadãos.
"Precisamos de pessoas sérias no poder público"
Edson Carvalho - professor de Direito Administrativo
Professor de Direito Administrativo e Constitucional da Univali, Edson Carvalho analisa que crimes de fraudes em licitação passam por leis muito burocráticas, acordo de interesses políticos e econômicos e falta de rigor de órgãos de controle.
DC- Quais são os problemas das leis de licitação que facilitam as fraudes, verificadas nas últimas operações policiais?
Edson Carvalho - As leis, não apenas de licitações, impõem determinados parâmetros de atuação. Quanto mais burocrático, mais trâmites a lei impõe, logo é mais fácil para se corromper pessoas. Se existe dificuldade, existe alguém que vai vender facilidade, estas muitas vezes oferecidas por agentes do próprio Estado. Além disso temos a insuficiência dos mecanismos e órgãos de controle e a deficiência na escolha dos servidores públicos. Precisamos de pessoas sérias trabalhando em nome do poder público. Se nós tivermos pessoas comprometidas com a moralidade, elas não acabam se corrompendo. As falhas comuns de processos de licitação são a falta de controle das propostas, falta de controle sobre a atuação dos próprios agentes, muitas vezes com acordos envolvendo os licitantes (empresários) e o poder público, facilitando a prática desses atos ilegais.
DC - De que forma o excesso de burocracia facilita?
Carvalho - Quanto mais simples é o procedimento, mais se tem agilidade na administração pública. Quando há muitas exigências, o corruptor encontra formas de burlar o procedimento. Por exemplo, se temos um prazo para a pessoa apresentar uma proposta com um determinado valor, servidores do setor público acabam tendo acesso a essas informações e antecipadamente podem repassá-las para empresas que concorrem em licitações, gerando favorecimento. Se o processo fosse menos burocrático e mais transparente, permitindo que todos pudessem ficar sabendo dele ao mesmo tempo, com valores, registros de preços, aí teríamos a garantia de isonomia, de condições iguais de concorrência.
DC - Como combater e reduzir as fraudes com eficácia?
Carvalho - Eu acredito que passa por uma escolha mais adequada dos servidores e também a criação de órgãos de controle que atuem na elaboração de processos de licitação. E as autoridades que vão homologar esses processos também precisam estar mais atentas a todo procedimento, com um preparo técnico mais adequado. Outra ideia é modificar leis de licitação, muito burocráticas, que acabam desestimulando o controle da própria sociedade por conta das dificuldades.
DC - Quando empresas são contratadas por meio de fraudes qual o impacto na vida das pessoas?
Carvalho - Essa situação sempre gera prejuízo. Ou porque os serviços prestados não são de qualidade, ou porque o bem que foi fornecido não atende às necessidades da administração pública. Podemos pegar, apenas como exemplo ilustrativo, os casos envolvendo a reforma de pistas de rolamento e de rodovias. Quantas e quantas vezes o serviço tem que ser refeito em curto espaço de tempo? Às vezes o material não é de qualidade, a técnica aplicada não é a melhor, então o serviço tem que ser executado várias vezes. Quem sai perdendo? A população, que precisa aguentar toda a carga tributária.
DC - Qual o peso do atual sistema político? O modelo facilita esse crime?
Carvalho - Nós temos pessoas que são indicadas para exercer cargos de confiança e que, embora não tenham domínio total da atividade que está sendo desempenhada, têm comprometimento e senso de responsabilidade.
O primeiro gráfico mostra dados relativos à categoria Criminal - Moralidade Administrativa e, o segundo, Promotorias na Área Cível - Moralidade.
Nas áreas de defesa dos direitos difusos e coletivos, a instauração de procedimentos novos no decorrer do exercício de 2013 apresentou a seguinte perspectiva: na moralidade administrativa 5.176, no meio ambiente 3.674 e na saúde 2.214 procedimentos.
A área da defesa da moralidade administrativa, que revelou o maior movimento, obteve em 2013 um volume 18,12% maior de procedimentos em relação a 2012. Promoveu 1.764 arquivamentos sem ajustamento de conduta, 334 a mais que no ano anterior (1430), 86 arquivamentos com ajustamento de conduta, 45,76% a mais que no ano anterior (59), e deflagrou 391 ações civis públicas, que representam 74 ações a mais do que em 2012 (317). O percentual positivo revelado foi de 23,34%.
Ações contra fraudes:
Trato Feito:
Aconteceu no dia 15 de setembro com foco em crimes supostamente sendo praticados na prefeitura de Balneário Camboriú, como corrupção passiva e ativa, advocacia administrativa, peculato, tráfico de influência, fraudes em licitações e associação para o crime. Foram investigados mais de 35 funcionários públicos, oito empresas e presas 14 pessoas.
Fundo do Poço:
Ação que aconteceu no dia 28 de novembro de 2013 com o objetivo de prender servidores públicos e empresários do ramo de perfuração de poços artesianos envolvidos em um suposto esquema de formação de quadrilha, fraudes em licitações e crimes contra a administração pública. Foram cumpridos 20 mandados de prisão temporária e 48 de busca e apreensão, cidades da Serra, Meio-Oeste e Oeste.
Tapete Negro:
Deflagrada em 17 de dezembro de 2012. Apreendeu documentos da prefeitura de Blumenau, de empresas e em residências de investigados. Teve origem em uma investigação de 2006, acompanhou supostas licitações fraudulentas envolvendo a Companhia Urbanizadora de Blumenau (URB), cujas fraudes chegariam a R$ 150 milhões.

Fonte: Site A Notícia 15/11/2014

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