terça-feira, 18 de novembro de 2014

Atualidade: 'Golpe militar não é dado a partir de uma carta publicada no Facebook', diz procurador de Joinville

O procurador da República Davy Lincoln Rocha, que atua no Ministério Público Federal em Joinville, foi afastado do cargo em função de um artigo publicado no Facebook.

Ele responderá a um procedimento administrativo disciplinar (PAD) aberto pelo plenário do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
A decisão do plenário, tomada na noite de segunda-feira, afastou o procurador de  suas atividades por três meses (90 dias). Em entrevista, Rocha disse que escreveu nas redes sociais como cidadão, sem referência ao cargo que exerce.
Confira a entrevista:
AN - O senhor esperava que houvesse essa repercussão e até a posição do Conselho Nacional
Davy Lincoln Rocha - O que eu posso dizer é que isso é um mal entendido. Porque eu publiquei uma carta há mais de um ano no meu Facebook, na condição de cidadão. A primeira frase diz, inclusive, 'eu, cidadão brasileiro'. Em momento nenhum me identifiquei como procurador. Em momento algum incitando golpe. Fiz o uso do direito de expressão. 
AN  - Qual o motivo da manifestação
Rocha - Acho que no Brasil há uma situação em que as Forças Armadas ficaram com uma marca de cânhamo. É como se até hoje você fosse na Alemanha e olhasse enviesado o povo alemão por causa do holocausto nazista
AN - Mas há um histórico..
Rocha - Todos os generais, comandantes que realmente estavam no comando na ditadura já morreram ou estão de pijama, bem velhinhos. As Forças Armadas de hoje são outras Forças Armadas. A instituição não pode ser vista hoje como uma ameaça, um perigo da ditadura, de golpe. Quem está hoje no comando, inclusive ocupando ministérios, os três comandantes do Ministério da Defesa, que são da alta assessoria da Presidência da República, tem muito conselho bom a dar, muita participação, sentar numa mesa democrática e participar
AN - O texto tem menções ao golpe de 1964
Rocha: Nunca fui adepto de qualquer tipo de subtração da ordem constitucional. Se eu quisesse buscar essa coisa de golpe, eu teria secretamente buscado instituições, buscado cartas, tudo o que nunca fiz. Nunca entrei em contato com instituição militar, não conheço nenhum comandante militar. 
Lamento que o debate político e social brasileiro não tenha a participação maior, mais gente na mesa, inclusive com as Forças Armadas. Não é só chamar as Forças Armadas para fazer ponte, construir estrada, duplicar estrada, fazer hospital de campanha. Existe um preconceito arraigado, injustificado na maior parte das vezes. Um mito de que as Forças Armadas são quase que um inimigo à beira de tomar o poder. As Forças Armadas estão aí para nos defender. Há uma nova geração, um pessoal preparado em escolas superiores de guerra, com estudo, graduação, pós-graduação e muito a oferecer para o País.
AN - A repercussão saiu do controle
Rocha - Essa carta tem mais de um ano e dois meses. O que acontece é que gerou um equívoco. Essa carta começou a se reproduzir, foi parar em vários sites. Nesses outros sites, as pessoas escrevem que foi escrito por "Davy Lincoln Rocha, procurador da República", mas não foi nessa qualidade que escrevi. Vão dando interpretação que eles querem para isso. Aí cada um tem a sua interpretação. Pode pegar a Bíblia, um livro secular, que cada um tem uma interpretação diversa de uma única coisa que está escrita ali. A Bíblia, quando fala que a pessoa tem de nascer de novo, os evangélicos acham que a pessoa tem de ser batizada, os espíritas acham que é reencarnar. Interpretações completamente diferentes.
AN - O conselheiro Luiz Moreira, que fez a proposta no plenário, disse que o senhor usou a prerrogativa como procurador para manchar o regime democrático e a soberania nacional.
Rocha: Em momento nenhum, se você ler a carta, diz 'vocês, militares, devem dar um golpe'. Eu digo 'vocês estão calados, vocês não estão participando da vida política do País'. Acho que a própria instituição militar está acuada, parece que se sente envergonhada, como diz o livro do Elio Gaspari (Ditadura Envergonhada). Golpe militar não é dado a partir de uma carta publicada no Facebook por um cidadão. E aí fica aquele estigma, como se as Forças Armadas não pudessem participar da vida social e política do Brasil. 
Nos Estados Unidos, os assessores do presidente participam de todas as questões, discutem todas as questões do País. Por conta desse estigma, as nossas forças armadas vem sendo alienadas ou estão se alienando mesmo. Nossas forças Armadas estão fazendo um belíssimo trabalho. Participam de uma guerra contra a pobreza, contra a miséria no Haiti, por exemplo. E acho que a gente tinha de ter mais respeito, mais carinho com as Forçar Armadas e ver que elas podem participar democraticamente.
AN - Mas o senhor é procurador da República.
Rocha - O texto foi publicado no meu Facebook, como cidadão. Inclusive, se você olhar no meu Face, eu nem me identifico como procurador da República. Mas eu não posso impedir de você pegar essa carta do Face e publicar no jornal e dizer que foi escrito pelo procurador da República. Mas não foi nessa qualidade. E, mesmo assim, não há nenhum pedido de golpe ou coisa assim. 
AN - Foi durante a campanha que a carta ganhou repercussão na rede?
Rocha - Escrevi isso muito antes da eleição. Não com ideia de golpe ou coisa assim. E tem outra: procurador da República, então, não pode escrever um livro, não pode fazer uma crítica ao sistema jurídico, como os professores fazem? É preciso separar. Não foi no exercício da função, muito menos pretendendo macular a ordem constitucional que eu prometi defender e sou arraigado defensor.

Fonte: Site A Notícia 18/11/2014

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