quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Aliança entre Eduardo Campos e Marina Silva reacende debate sobre fracasso de candidaturas fora do eixo PT-PSDB

Veja os erros cometidos no passado e as perspectivas para a dupla do PSB, a nova "terceira via".

Nas últimas quatro eleições presidenciais disputadas no Brasil, todas as candidaturas montadas com o objetivo de romper com a polarização entre PT e PSDB naufragaram.
Em 2014, uma nova opção — com o PSB de Eduardo Campos e Marina Silva à frente — apresenta-se ao eleitorado brasileiro e dá os primeiros passos no difícil, mas nem por isso impossível, caminho da “terceira via”. A tentativa de minar a hegemonia de petistas e tucanos impõe a seus adversários alguns desafios. Entre eles, identificar os erros do passado e não repeti-los.
Como conceito, o termo “terceira via” não é novo. Ganhou fama na Inglaterra, a partir da década de 1990, em um momento de perplexidade da esquerda e de ascensão do conservadorismo neoliberal de Margaret Thatcher (1925-2013).
Foi o meio-termo encontrado para renovar a social-democracia em crise — nem tão à esquerda, nem tão à direita – e teve entre seus principais defensores o ex-premiê britânico Tony Blair, inspirado nas ideias do sociólogo Anthony Giddens. Conquistou espaço e admiradores, mas, desde que Blair saiu de cena, o conceito perdeu muito de seu apelo político e intelectual. 
No Brasil, a ideia assumiu uma acepção diferente – como alternativa à polarização – e segue mais viva do que nunca com a dobradinha Campos-Marina. Isso não significa que esteja livre de polêmica.
— A questão é a seguinte: o que essa terceira via está querendo dizer? Quais são as propostas? Qual é a sua agenda? É importante o eleitor não levar gato por lebre. Às vezes, é apenas uma expressão que, politicamente, não significa nada — diz o cientista político Fabiano Santos, da Universidade Estadual do Rio (Uerj).
A crítica encontra eco nas eleições presidenciais de 1998 e 2002. As derrotas de Ciro Gomes (então no PPS e hoje no PROS) e Anthony Garotinho (então no PSB e hoje no PR) são atribuídas, em parte, à falta de estrutura partidária e de consistência das propostas.
— O problema é que, em geral, os partidos vivem muito da lógica eleitoral. Não apostam na construção de um projeto de longo prazo e não conseguem criar estruturas nacionais. Além disso, há muito pouca diferença entre as 32 legendas existentes — avalia o cientista político Francisco Fonseca, da FGV-SP.
Candidato à Presidência em 2006, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) reconhece, hoje, que não tinha a menor chance ao competir com Lula e Geraldo Alckmin. De um lado, havia a força do lulismo — baseada na distribuição de renda e redução das desigualdades — e, de outro, o PSDB – cacifado pela conquista da estabilidade econômica e pela trajetória de vitórias em São Paulo.
— Hoje, o cenário é outro. Esse modelo está se esgotando, e a democracia passa por uma crise profunda. Agora, há um pedido por mudança. Há mais espaço para alternativas — avalia Cristovam.
Rigotto criou fórmula contra favoritismo de adversários:
A eleição de 2002, no Rio Grande do Sul, demonstrou que há formas de romper polarizações. Germano Rigotto (PMDB) venceu a corrida ao Palácio Piratini e pode ser considerado um exemplo de terceira via que deu certo.
Com um discurso moderado, um partido bem estruturado e um programa cujo mote foi a abertura ao diálogo, o caxiense conquistou o público cansado do embate ideológico entre Antônio Britto (então no PPS) e o PT, cujo cabeça de chapa era Tarso Genro. Com menos de 3% das intenções de voto no início da campanha, Rigotto correu por fora e surpreendeu.
O sonho de Campos e Marina para 2014 é repetir o feito de Rigotto, mas os dois terão de convencer o eleitorado de que não são “mais do mesmo”.
— O que falta é saber se essa aliança realmente vai trazer o novo. Esse é o grande desafio — projeta Buarque.
As razões dos tropeços:
1) Os candidatos não conseguiram formar coligações consistentes, com estrutura partidária forte o bastante para competir com PT e PSDB.
2) Ficaram atrás na briga por tempo de rádio e TV e tiveram menos visibilidade do que as duas siglas.
3) Falharam na tentativa de apresentar propostas realmente novas e, ao mesmo tempo, consistentes e factíveis.
4) Não tinham líderes de porte nacional e tiveram dificuldade para se apresentar como alternativas viáveis.
5) As últimas campanhas tiveram caráter personalista forte, com nomes como Lula, FH e José Serra. Os adversários não conseguiram fazer frente a essas figuras.
6) As tentativas de terceira via não se sustentaram a longo prazo, parecendo apenas projetos pessoais.
Polarização demonstra estabilidade democrática:
A polarização nas eleições presidenciais não é uma exclusividade brasileira. É comum em países como Estados Unidos, Alemanha e Chile, para citar alguns exemplos.
Mas, diante das críticas que recebe no Brasil, será que o fenômeno é algo necessariamente negativo? Cientistas políticos são unânimes ao afirmar que o fato está diretamente ligado a  democracias estabilizadas — o que é positivo —, mas divergem quando a discussão envereda para o atual cenário político brasileiro.
Para alguns, a hegemonia da dupla PT-PSDB já não tem mais o mesmo fôlego do passado, e a ascensão de novas forças seria uma forma de oxigenar a campanha eleitoral de 2014 — e de atrair, para a política, a atenção das pessoas que saíram às ruas em junho, entre outros motivos, por não se sentirem representadas.
Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, Francisco Fonseca afirma que o sistema político brasileiro, do modo como está formatado, “impede o novo”. Para ele, essa distorção deve ser encarada como um problema.
— No caso do Brasil, que é muito desigual e tem um legado autoritário enorme, precisamos de pluralismo. Faltam vozes aqui. E, para isso, uma reforma política de verdade é fundamental — resume Fonseca.
Para outros, como Fabiano Santos, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), não há contradição no fato de o país ter 32 partidos e apenas dois disputarem a Presidência. A maioria das siglas, segundo Santos, carece de relevância, e a polarização nas eleições majoritárias é “natural, necessária e importante” para a consolidação do sistema democrático — desde que não se radicalize e não comprometa a governabilidade.
— Os partidos nunca estão sozinhos. Eles lideram dois grandes blocos, um de centro-esquerda e outro de centro-direita. É assim no Brasil e em todos os países com democracia consolidada. A aposta de sempre querer superar a polarização embute um engodo, porque o governante que surgir de uma terceira via também vai ter de montar as mesmas redes, bases de apoio e coalizões para poder governar — afirma Santos.
Entrevista — Sérgio Braga, cientista político:
“Pode arejar o ambiente político”
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sérgio Braga identifica sinais de cansaço no eleitorado brasileiro diante da polarização PT-PSDB. Por e-mail, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, onde faz pós-doutorado, concedeu entrevista a ZH.
Zero Hora — Por que é tão difícil romper com a polarização PT-PSDB?
Sérgio Braga — As candidaturas da chamada “terceira via” não conseguiram se tornar competitivas a ponto de ameaçar a hegemonia desses dois partidos. A meu ver, três fatores básicos foram determinantes para isso: a maior consistência programática de PT e PSDB em nível nacional; o fato de terem lançando regularmente candidatos a presidente, apostando em uma estratégia de longo prazo; e o papel central que o “lulismo” desempenhou nas cinco últimas eleições, polarizando fortemente o eleitorado e as forças políticas em embate. Isso não significa que as candidaturas de “terceira via” não tiveram importância ou não produziram efeitos políticos, como o caso de Marina Silva, em 2010, fundamental para provocar o segundo turno.
ZH — É possível identificar erros em comum nas tentativas de terceira via?
Braga — Sim. Geralmente, os candidatos derrotados se aproveitaram de fatores de curto prazo para tentar ser bem-sucedidos, como uma boa gestão no governo estadual ou em algum ministério. Não se preocuparam em construir reputações no longo prazo nem  em ter uma estrutura partidária forte e capilarizada em escala nacional.
ZH — Ainda é possível falar em terceira via?
Braga — Sim, no caso do Brasil, ainda tem significado político. Além do mais, uma terceira candidatura pode arejar um pouco o ambiente político, na medida em que a polarização PT-PSDB em escala nacional dá sinais de estar cansando o eleitorado, especialmente porque o desempenho do PSDB como oposição é muito fraco.
ZH — A polarização é necessariamente ruim?
Braga — A polarização, em si, não é ruim. Na verdade, ela tende a ocorrer em quase todos os países onde as eleições nacionais assumem um perfil majoritário. Nesses casos, tende a ocorrer uma luta dura entre as maiores forças políticas. O que é ruim são contextos institucionais que produzem essa polarização artificialmente, como no caso dos Estados Unidos.
Da largada ao beco sem saída: Os fracassos nas últimas campanhas presidenciais:
1998 — FH x Lula
Ciro Gomes: então no PPS, naufragou porque tinha uma coligação fraca, era desconhecido e não conseguiu fazer frente a Lula, principal nome da oposição, nem a FH, que disputava a reeleição e gozava de grande popularidade devido ao sucesso do Plano Real. Ficou em terceiro.
2002 — Lula x Serra
Anthony Garotinho: tinha forte apelo entre os evangélicos, mas abusou do discurso populista, envolveu-se em suspeitas de irregularidades e não conseguiu superar a desconfiança do eleitorado com maior poder aquisitivo. Concorreu pelo PSB e acabou em terceiro lugar.
Ciro Gomes: chegou a aparecer em segundo lugar nas pesquisas, mas foi alvo de adversários, envolveu-se em polêmicas e viu a popularidade cair. Conhecido por ter pavio curto, Ciro (então no PPS) perdeu a calma e chamou um eleitor de “burro”. Terminou em quarto lugar.
2006 — Lula x Alckmin
Heloísa Helena: expulsa do PT em 2003 por não concordar com os rumos da administração petista e fundadora do PSOL, a senadora não conseguiu ir para o segundo turno pela fama de “radical” e por ter forte rejeição entre o empresariado. Teve de se contentar com o terceiro lugar.
Cristovam Buarque: ex-ministro da Educação do governo Lula, o pedetista tornou-se um dos principais críticos da gestão do PT ao ser demitido. Não convenceu ao se colocar como alternativa e acabou dividindo votos com Heloísa Helena. Ficou na quarta colocação.
2010 — Dilma x Serra
Marina Silva: então no PV, a ex-petista liderou a “onda verde” entre os eleitores cansados da polarização. Conseguiu provocar o segundo turno, mas não teve força para superar PT e PSDB, com melhor estrutura, mais tempo de TV e coligações consistentes. Ficou em terceiro.

Fonte: Site Jornal A Notícia 19/10/2013

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